Proust no Brasil : entrevista com Carlos Eduardo Souza Queiroz

Published by Nicolas Ragonneau on

Portrait de Carlos Eduardo Souza Queiroz

Na selva amazônica e na selva de asfalto das megalópoles brasileiras, alguém em algum lugar está lendo Proust. Carlos Eduardo Souza Queiroz, brasileiro, professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira coordena o Clube Proust e o Clube do Livro em Itapetininga – SP e a Roda de Leitura em Capão Bonito – SP. Ele também administra a página Proust Brasil no Instagram e no Facebook, que tem como objetivo divulgar publicações e traduções das obras de Marcel Proust no Brasil. Também realiza pesquisas (sem vínculo com a academia) sobre as relações de Proust com os escritores modernistas brasileiros Cyro dos Anjos e Octacílio Alecrim. 

Como se deu a recepção de Proust no Brasil e quando começaram a lê-lo ?
Quando Proust foi laureado com o Prêmio Goncourt em  1919, imediatamente seu nome nos alcançou aqui do outro lado do Atlântico e pela primeira vez saiu na imprensa do Rio de Janeiro uma menção ao seu nome.
Em 1923, aparece no último volume da revista modernista Klaxon uma nota de lançamento do número especial da Nouvelle Revue Française dedicado a Proust.
Carlos Drummond de Andrade (que posteriormente viria a ser um de seus tradutores), publica n’A Revista, em 1925, uma crônica sobre o livro XXe siècle, de Benjamin Cremieux. Drummond se detém no capítulo sobre Proust.
No mesmo ano Graça Aranha publica seu livro Espírito Moderno e nele uma pequena crítica a obra de Proust.
Tristão de Athayde (pseudônimo de Alceu Amoroso Lima), que em 1927 publica um ensaio sobre a música em Proust e Stendhal, lança em 1928 a primeira análise vertical da obra de Proust. É de se notar que esse texto é publicado logo depois do termino da publicação integral da Recherche, no ano anterior.
Em 1929, para um concurso da cátedra de Literatura do Liceu Alagoano, Jorge de Lima defende a tese O romance de Marcel Proust, publicado no mesmo ano no livro Dois Ensaios como Proust, e traduzido para o francês em 1953 como Marcel Proust.
Assistimos, então uma queda no interesse em Proust por quase duas décadas. A partir da tradução da Recherche em 1948, vemos um aumento significativo da fortuna crítica proustiana com a aparição de numerosos artigos em diversos periódicos e dos números especiais de revistas como, por exemplo, a Revista Branca e a Nordeste. É nesse período que foi criado o Proust-Clube e Octacílio Alecrim, chefe da Divisão de Estudos, destaca-se pela sua numerosa contribuição.
É de 1950 a publicação da Proustiana Brasileira, da Revista Branca, coletânea de artigos, traduções e estudos sobre Proust. E no ano seguinte a maior contribuição de um brasileiro para os estudos proustianos, publicados até então : Da Técnica do Romance em Marcel Proust, de Álvaro Lins. A tese foi apresentada para a cátedra de Literatura do Colégio Dom Pedro II e publicada em 1956 em livro com o título levemente modificado para A Técnica do romance em Marcel Proust.

  • Couverture de Non Caminho de Swann

O início da leitura de Proust entre nós é tema ainda controverso. Discute-se muito quem seja o primeiro leitor do autor francês no Brasil, uns dizem ser Jorge de Lima, outros Jayme Adour da Câmara, Pedro Nava, Carlos Drummond de Andrade etc. O que podemos afirmar, é que foi por volta de 1920.

Qual a tradução de referência da Recherche em português ?
No Brasil temos duas traduções : uma realizada na década de 40, assinada por Mario Quintana (No Caminho de Swann, À Sombra das Raparigas em Flor, O Caminho de Guermantes e Sodoma e Gomorra), Manuel Bandeira e Lourdes Souza de Alencar (A Prisioneira), Carlos Drummond de Andrade (A Fugitiva) e Lucia Miguel Pereira (O Tempo Redescoberto) iniciada em 1948 e finalizada em 1957. E a tradução do poeta Fernando Py, de 1992 (que também traduziu Jean Santeuil, Os Prazeres e os dias e a biografia Marcel Proust, de George D. Painter).
É tarefa difícil elencar qual é a tradução de referência. Com receio de ser injusto, fico com a primeira tradução.
Estamos aguardando, desde 2012, uma tradução assinada pelo jornalista Mario Sergio Conti.

Na sua opinião, quais razões fazem Proust ser lido no Brasil ?
Pelo mesmo motivo que se lê Dostoievski, Shakespeare, Virginia Woolf, Baudelaire e Cervantes. Para citar um dos primeiros críticos que escreveu sobre Proust no Brasil, Tristão de Athayde, Proust « longe de elevar, esmaga ».

Como você descobriu essa obra ? E em que ela é moderna na sua opinião ?
Em meados de 2009 eu e mais dois amigos (Alexandre e Wilson) tínhamos uma sociedade chamada Patética (em alusão à sinfonia nº 6, de Tchaikóvsky). Nos reuníamos em minha casa para conversarmos, ouvir música, escrever etc. um certo dia decidimos fazer uma lista de livros para compartilharmos a leitura e as impressões. Um desses livros era o Em Busca do Tempo Perdido. Certo dia o Alexandre emprestou o primeiro volume da biblioteca municipal e leu para nós em voz alta o primeiro parágrafo. Por diversas vezes ele leu outros trechos dos quais havia gostado. A partir daí minha vontade de ler só cresceu. Então como ler o livro se eu não tinha e a única biblioteca pública da minha cidade tinha apenas um único exemplar de cada volume da Recherche ? Posterguei o quanto pude. E o Alexandre sempre lendo os trechos que ele grifava. Algum tempo depois adquiri o primeiro volume e no período de um ano me dediquei exclusivamente a leitura de Em Busca do Tempo Perdido.

Agora o quanto a obra pode ser moderna, me reporto a um grande amigo meu (que a leitura da Recherche me deu), Frederico DeNez. Numa de nossas inúmeras conversas sobre Proust e sua obra, ele me dizia que uma das definições de Clássico para Calvino, era de que determinada obra ainda tem coisas novas a nos dizer. Proust é clássico, ainda tem muito o que nos dizer, me falava Frederico. Proust é novo, portanto, moderno. Um exemplo que ele me deu, era de fazer um recorte dos nossos dias e traçar um paralelo com o que ele escreveu. Veremos que o que Proust escreveu há cem anos, acontece hoje. Sobretudo nas relações, nos jogos de interesses, na maneira de ver mundo, enfim… 

 Proust, para além de toda a tecnologia e modernidade das redes sociais, me deu amigos como o Frederico e está me conectando com o país e outros leitores do meu escritor favorito !

Qual o objetivo do seu Clube ?
O Clube Proust de Itapetininga surgiu da vontade de trocar as experiências e reunir os leitores de Proust. Aproveitei o Clube do Livro de Itapetininga (interior de São Paulo) e lancei a ideia. Para minha surpresa 11 pessoas aceitaram o convite. Hoje somos 6.  Nosso objetivo é única e exclusivamente ler a Recherche completa e trocar experiências a partir dessa leitura. Quem quiser conhecer um pouco mais sobre nosso cube e ver os registros de nossos encontros é só acessar o blog de uma integrante do Clube Proust de Itapetininga e nosso Instagram @proustbrasil. Além dos registros dos encontros, uso essa rede social para divulgar as traduções para o português da obra do Proust e tudo o que se tem escrito sobe ele aqui no Brasil.

Fale-me sobre o evento que o senhor está preparando para agosto.
Estamos na reta final da leitura compartilhada da Recherche. Em julho teremos nosso penúltimo encontro, este, para discutirmos O Tempo Redescoberto. 
Em agosto faremos um encontro especial, com o apoio do SESI-Itapetinnga e da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Itapetininga, a fim de encerrarmos a leitura de uma forma diferenciada. Trata-se do evento Pelos caminhos de « Proust : uma jornada proustiana no Brasil » .

Este evento contará com a participação de Alexandre Bebiano de Almeida, professor-pesquisador de Literatura Francesa (FFLCH-USP), organizador do Colóquio Proust 2011 : Encontro Internacional de pesquisadores proustianos ; de Fillipe Mauro, doutorando em Literatura Francesa e Comparada no Departamento de Letras Modernas (FFLCH-USP) e no Centro de Estudos e Pesquisas Comparatistas da Universidade de Paris 3 – Sorbonne Nouvelle ; de Carlos Augusto da Silva, professor de História da Arte e Literatura, doutorando em Teoria da Literatura e Literatura Comparada (FFLCH-USP) autor dos livros Dicionário Proust, Proust e a História ; de Frederico DeNez Benyam, psicólogo, psicanalista, tradutor e doutorando em Linguística Aplicada (IEL-UNICAMP) e de Etienne Sauthier, professor secundário de História e Geografia na Académie de Créteil (França). Doutor em Estudos Latino-Americanos pela Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3, possuí pós-doutorado pela UNICAMP, sócio-pesquisador no CREDA (Centre de Recherche et de Documentation sur les Amériques).
E contaremos com a assessoria de Tamlyn Gahnnam, do Literatamy.

O cronograma das atividades :
15h Abertura – Carlos Eduardo 
15h15 Etienne Sauthier – Marcel Proust no Brasil : uma transferência cultural num país plural (1920−1960).
15h55 Fillipe Mauro- Paisagens do passado : ressonâncias proustianas nos romances memorialistas de Jorge Andrade, Cyro dos Anjos e Pedro Nava   

16h15 Intervalo 

16h35 Carlos Augusto – Teoria da narrativa e teorias da História na obra de Marcel Proust
16h55 Frederico DeNez – Quando Proust encontra Sade e Masoch : as père-versões do discurso na Recherche  
17h20 Perguntas e bate-papo com o público 

Tema do evento : Pelos Caminhos de Proust : uma jornada proustiana no Brasil 

Local : SESIItapetininga (Av. Padre Antônio Brunetti, 1360, Vila Rio Branco)

Data : 03 de agosto de 2019 

Horário :14h00 às 18h00 

Ler Proust, no Brasil de Bolsonaro, é um ato de resistência ?
Com certeza ! Essa pergunta me fez lembrar do dia em que discutimos “A Prisioneira” (31÷03÷2019), e o Bolsonaro estava comemorando o que ele chama de Revolução de 64, ou seja, o dia em que a Ditadura Militar foi instaurada no Brasil no ano de 1964. Triste… tristíssimo ! (e claro, revoltante).
Como mediador de leitura, acredito que o ato de ler é em si um ato de resistência. Mas sobretudo neste (des)governo de Bolsonaro e seus “contingenciamentos” na área da Educação e da Cultura.
Para citar a antropóloga Michèle Petit, a leitura nos faz « pensar, nesses tempos em que o pensamento se faz raro ».

Leia a versão em francês



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